Tema inconteste de interesse da arte, a paisagem permanentemente evoca a nossa relação com o paradigma da existência – a consciência da finitude aliada ao motor da vida, que é a ilusão de eternidade. Do romantismo alemão à land art, essa porção da natureza que se vê à distância ou se enfrenta enquanto ser, com peso, forma e força, está sempre reivindicando a experiência sensível como meio de arrebatamento diante da sua eloquência silenciosa.
Nem romântica, nem utópica, Marina Camargo vai até o sopé de uma das paisagens mais icônicas da história da arte, os Alpes alemães, e pressiona com força a nota mais grave de uma peça de Wagner. A série de fotografias, postais e vídeos que compõem a exposição “Reflexo Distante” não para de vibrar entre a visualidade característica desses suportes e desse tema e o negrume da história; entre a rugosidade da paisagem e a planaridade nada sutil de placas de ferro ou tinta preta, para sempre impregnada sobre fotografias e negativos fílmicos.
Em Oblivion (sobre o esquecimento), um conjunto de aproximadamente 300 postais dessa paisagem adquiridos em sebos, a artista meticulosamente soterrou as montanhas que ali estavam com tinta preta. Ao apagar a imagem através de uma ação aditiva, Marina, por um lado, torna concreta a forma das montanhas e, por outro, define que elas sejam novamente esquecidas, agora num processo irreversível. Entintada, a paisagem vira mancha e, enquanto mancha, nos sugere infinitas associações com as marcas da história, especialmente a alemã, e com os rastros de memória que não nos deixam esquecer nem daquilo do que nos desfazemos.
Já no trabalho que dá nome à exposição pesadas placas de ferro surgem apoiadas sobre sete fotografias retiradas de um livro antigo. Contrapondo a escala delicada e manual do grupo de postais, as enormes placas pretas vão do chão até o desenho das montanhas, novamente deixando visível na imagem apenas o céu. O ar que há entre as fotografias e as placas parece impregnar-se do peso do ferro, criando uma atmosfera densa que ecoa pela exposição. Como se este ar pudesse ser o responsável pela oscilação constante de outro trabalho, o vídeo Alpenprojekt, suspenso por fios de nylon.
Tal procedimento de apagamento por adição se repete ainda em outras obras, como no vídeo As Montanhas de Eva Braun. Nesses registros, originalmente feitos por Eva Braun ao lado do amante Hitler em seus momentos de lazer nos Alpes, Marina novamente pintou, frame a frame, todas as montanhas. Ao criar um novo filme de paisagens negras, este sim coerente com seus personagens, a artista reafirma seu posicionamento diante de tão icônica paisagem: nem romântica, nem utópica, reconhece sua beleza e toda a sua tragédia.
Texto de Gabriela Motta originalmente publicado na revista Dasartes | Trabalhos expostos na individual “Reflexo Distante” de Marina Camargo, na galeria Bolsa de Arte de Porto Alegre.