A matter of deletion and other disappearances

Seattle, EUA / 2021

Exposição em Das Schaufenster (Seattle, EUA) com curadoria de Anna Parisi e Tiffany Danielle Elliott.

De 14 de junho a 12 de julho de 2021.

Sobre uma forma de apagamento e outros desaparecimentos

Marina Camargo, 2021

Um atlas escolar que eu usava na escola me acompanhou ao longos dos anos. Em 2017, revendo o livro, aproveitei a disposição da câmera no ateliê montada sobre uma mesa  (onde havia filmado outro vídeo) para registrar uma ação que me parecia urgente naquele momento: apagar um dos mapas do atlas, aquele que registrava as regiões onde a atividade extrativista era mais desenvolvida no Brasil. O título do mapa veio a ser também o título do trabalho, Brasil: Extrativismo.

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As origens do extrativismo no Brasil remetem à colonização da América Latina, assim como às origens do capitalismo. A atividade extrativista consiste na extração de recursos naturais e sua comercialização como commodities. O modo de exploração (ou modo de apropriação) da natureza estrutura não apenas um modelo econômico, mas define uma estrutura geopolítica ao estabelecer a diferenciação entre as regiões colonizadas e colonizadoras, a hierarquia entre territórios coloniais e imperiais, sendo uns pensados como espaços de depredação e saque para o uso e abastecimento dos outros.

As histórias de extrativismos estão ligadas ao Brasil desde o início de sua colonização no século 16, atravessando os tempos em ciclos diversos de extrações (ciclos do pau-brasil, da borracha, do açúcar, do ouro, ainda as plantações extensivas, mineração de outros metais, etc.). O modelo extrativista marca profundamente questões sociais, econômicas, históricas do Brasil do passado e de hoje. Provavelmente não seja por casualidade que o país tenha sido chamado pelo nome da árvore que foi extraída à exaustão, até ser praticamente extinta: o pau-brasil. Brasil é uma terra nomeada a partir de sua condição de fornecedora de recursos naturais.

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O vídeo Brasil: Extrativismo (2017) é um registro da ação de apagamento de um mapa no qual o Brasil é representado através das regiões onde as atividades de extração são predominantes. Apagar o mapa é, de algum modo, simular um gesto da própria ação extrativista; é ainda uma ação tomada de fúria e esforço físico, que faz referência ao desflorestamento desenfreado e crescente (desmatamento que aumenta exponencialmente há anos, acelerado ainda mais nos anos recentes).

Brasil: Extrativismo foi filmado como um registro contínuo da ação que dura 10 minutos. O som da respiração ofegante e o som das ruas captados no vídeo se misturam à imagem do mapa sendo apagado. A lenta desaparição do mapa remete a outros apagamentos, como uma espécie de simulação do projeto em curso de sistemáticas destruições.

Inclusive a própria borracha que apaga o mapa é parte da história do extrativismo no Brasil: a extração do látex na Amazônia foi central na economia do país durante determinados períodos. Da árvore seringueira (Hevea brasilienses) é extraído o látex, a matéria-prima para a produção da borracha natural.

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No trabalho América-Latéx (2020), um mapa da América do Sul é reproduzido em látex, formando um corpo de superfície flexível, mole, dobrável. Se os mapas normalmente são vistos como desenhos impressos (e, hoje, especialmente como imagens digitais), na série de trabalhos Mapas-moles, os mapas são transformados em corpos no espaço, em estruturas que ocupam o mundo físico. Uma vez transformados em algo físico, sua presença corpórea se dirige também aos nossos corpos: um corpo diante do outro, um encontro que ganha uma dimensão erótica – algo que contrasta com a natureza dos mapas.

Percebo América-Latéx como um mapa desencarnado da América do Sul, arrancado de sua abstração e transformado num corpo que é todo superfície (assim como a pele), e que dialoga, assim, com a nossa presença.

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Lembro de estudar geografia debruçada sobre esse atlas escolar – o mesmo livro que, décadas depois, viria a apagar, cortar, redesenhar. Hoje, trata-se de um atlas obsoleto. Os mapas, mesmo quando desatualizados, são registros fragmentados de um tempo, expõem estruturas e pensamentos vigentes em determinadas épocas e culturas. A partir desses registros, construo outras narrativas sobre os lugares e espaços: destruindo para construir, encobrindo para fazer ver, apagando para desenhar.

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(1) Svampa, Maristella. “Neo-Extractivism In Latin America: Socio-environmental Conflicts, the Territorial Turn, and New Political Narratives.” Cambridge: Cambridge University Press, 2019. P.6

(2) O primeiro Ciclo da borracha corresponde a algumas décadas entre 1890 e 1920.

(3) Mapas-moles formam uma série de trabalhos relacionados à cartografia feitos com materiais flexíveis e moles, como borracha, látex, couro sintético, etc.  Para além da abstração das representações dos mapas tradicionais, percebo minha pesquisa se expandindo para além dos desenhos e lidando com uma dimensão escultórica